Emilia Ferreiro
Psicolingüista Argentina, doutorou-se pela
Universidade de Genebra, orientada por Jean Piaget. Inovou ao utilizar a teoria
do mestre para investigar um campo que não tinha sido objeto de estudo
piagetiano. Aos 62 anos, é pesquisadora do Instituto Politécnico Nacional, no
México.
O que ficou
As crianças chegam à escola sabendo várias coisas
sobre a língua. É preciso avaliá-las para determinar estratégias para sua
alfabetização.
Um alerta
Apesar de a criança construir seu próprio
conhecimento, no que se refere à alfabetização, cabe a você, professor,
organizar atividades que favoreçam a reflexão sobre a escrita.
Processo da leitura e da escrita
Diagnosticar quanto os alunos já sabem antes de
iniciar o processo de alfabetização é um preceito básico do livro Psicogênese
da Língua Escrita, que Emilia escreveu com Ana Teberosky em 1979. A obra, um
marco na área, mostra que as crianças não chegam à escolas vazias, sem saber
nada sobre a língua. De acordo com a teoria, toda criança passa por quatro
fases até que esteja alfabetizada:
Pré-silábica: não consegue relacionar as letras com os
sons da língua falada;
Silábica: interpreta a letra à sua maneira, atribuindo
valor de sílaba a cada letra;
Silábico-alfabética: mistura a lógica da fase anterior
com a identificação de algumas sílabas;
Alfabética: domina, enfim, o valor das letras e
sílabas.
O fácil e o difícil - Para melhor exemplificar sua
proposta de mudança conceitual da prática pedagógica, Emilia lembrou como a
escola tradicional concebe a língua escrita: “Na escola tradicional, o sujeito
que aprende praticamente desaparece, porque o reduzem a um conjunto de
habilidades. Habilidades perceptivas, motrizes, perceptiva-motriz, de
discriminação perceptiva, auditiva e visual. É a cópia de um modelo dado, uma
cópia na qual é proibida qualquer distorção. O objeto da língua escrita se
apresenta de tal maneira que a criança o percebe como algo imutável, que deve
ser apenas recebido, nunca transformado. Por isso é que se exige da criança uma
atitude de respeito cego. A lição tradicional é dada elemento por elemento,
supondo que a soma linear dos elementos leve à totalidade. Assim se avança,
letra por letra, sílaba por sílaba, palavra por palavra, imaginando-se que
basta juntar mais letras, sílabas ou palavras às precedentes. Nesta concepção,
o fácil e o difícil são "determinados” de fora: o que ao adulto já
alfabetizado parece fácil ou difícil, sem suspeitar sequer que a definição de
fácil e difícil também pode ser dada pela criança. E nem sempre o que parece
fácil ao sujeito já alfabetizado é fácil para quem não está alfabetizado. Todos
nós tivemos esta visão alguma vez, mas já não somos capazes de
recuperá-la".
Cruzada - Com base em suas pesquisas e nas
contribuições de investigadores de várias partes do mundo, Emilia Ferreiro
conclamou os educadores da América Latina a se integrarem numa cruzada pela
mudança desta visão de alfabetização: "É possível fazer uma mudança muito
profunda, uma mudança que é uma revolução conceitual. Não se trata de
acrescentar novas atividades, novos livros ou novas propostas às velhas, mas
sim de uma mudança total na concepção do objetivo da aprendizagem, do processo
da aprendizagem, do sujeito que aprende e, forçosamente, também do
professor".
Preocupação - Preocupada com o impacto de suas idéias
na ação dos alfabetizadores habituados com métodos tradicionais, Emilia
Ferreiro esclareceu: "Não se trata, de modo algum, de dizer que as
crianças se alfabetizam sozinhas. Trata-se, isto sim, de compreender o processo
que elas estão vivendo, a cada momento, para poder intervir mais eficazmente,
ajudando para que o diálogo entre professor e aluno não seja destruído. A
partir do conhecimento de uma série de fatos que estão vinculados à evolução
psicológica, é preciso pensar em outros termos na intervenção pedagógica e em
todas as coisas que estão em redor desta intervenção".
Processo Evolutivo - Entre as intervenções pedagógicas
que devem ser reavaliadas, Emilia Ferreiro citou o uso de cartilhas, os modos
de avaliação e promoção de alunos e, especialmente, os testes de prontidão e
provas de avaliação posteriores. Para ela, o importante é compreender o
desenvolvimento das idéias da criança sobre a escrita como um processo
evolutivo: "Na lição tradicional, a criança sabe ou não sabe, pode ou não
pode, se equivoca ou acerta. Isto torna muito difícil compreender que a criança
está apresentando uma evolução e que certas coisas são normais dentro da
evolução, ainda que ela cometa erros em relação à escrita adulta. O professor
deve sempre interpretar a produção gráfica das crianças de maneira
positiva".
Fundamentos - Para fundamentar o que dizia, Emilia
Ferreiro expôs, durante o encontro com os professores, desenhos e garatujas
infantis, aparentemente sem grande significado. E explicou: "Quando uma
professora aprende a interpretar estas produções, aprende também a respeitar
este produtor. Aprende a respeitar esta criança que lhe está mostrando, através
destas produções, os esforços que está fazendo para compreender o sistema
alfabético da escrita. E que, na verdade, não tem nada de simples, nem de
evidente".
Pouco tempo - O caminho da alfabetização, segundo
Emilia Ferreiro, passa necessariamente por etapas em que a criança constrói o
seu conhecimento, independentemente da camada social a que pertença. As etapas
são iguais, podendo variar apenas de acordo com a idade da criança, nunca de
sua condição social. "As crianças que estão crescendo em ambiente onde a
língua escrita existe - onde se lê e se escreve não apenas como atos muito
especiais, mas como parte da vida diária -, onde são estimuladas a manusear
livros, onde se permite a elas escrever e desenhar. Estas crianças adquirem muitas
informações sobre a língua escrita. Geralmente faz por conta própria uma boa
parte do caminho da alfabetização. Se, ao contrário, a criança não tem contato
com a língua escrita, se em redor dela não há pessoas que possam ler e
escrever, é muito difícil que chegue à escola sabendo o que quer dizer LER e
entendendo o que quer dizer ESCREVER”.
Recomendação - Uma das principais recomendações de
Emilia Ferreiro aos alfabetizadores é que nunca desprezem a bagagem de
conhecimentos sobre a escrita que a maioria das crianças leva para a escola:
"O que sabemos é que nenhuma criança urbana chega totalmente ignorante à
escola primária. Nós, adultos, é que temos a tendência bem marcada de confundir
os saberes diferentes dos nossos alunos pobres com ignorância. Por isso, os
discriminamos e rechaçamos. Sabemos também que a possibilidade de uma criança
conseguir alfabetizar-se em um ano escolar, que é muito pouco tempo, depende do
seu nível de contextualização. Como a escola não faz avaliações do nível
inicial, não se dá conta de que algumas crianças chegam sabendo mais do que
outras. E quando digo avaliação não estou pensando em prova específica, mas
simplesmente em atividades que permitam ao professor ver o que a criança pode
fazer".
Proposta - A proposta de Emilia é que os professores,
sem qualquer prova inicial de avaliação, criem espaços para que as crianças
possam produzir e lhes mostrar o que compreendem sobre a escrita: "Uma das
coisas mais reprimidas na escola tradicional tem sido a escrita. Uma das coisas
mais proibidas é a escrita espontânea. A escola fala em texto livre, mas proíbe
textos livres como representação da escrita da melhor maneira que o sujeito é
capaz de conseguir em cada momento de sua evolução".
Descobertas - O estímulo aos estereótipos não se limita
ao início da vida escolar, como afirmou Emilia Ferreiro: "Tampouco se
permite às crianças produzirem textos livres quando já sabem reproduzir
convencionalmente as palavras, porque aí começa a funcionar o estereótipo sobre
o que é uma produção aceitável, como também começa a funcionar este enorme medo
ante o erro ortográfico". As descobertas sobre a evolução indicam que as
crianças vão resolvendo seus problemas numa ordem muito específica: "O
primeiro problema que resolvem é a distinção entre o que é desenho e o que é
escrita. O segundo é a descoberta de que não é suficiente escrever letras para
que algo possa ser lido. Até crianças de 4 ou 5 anos dizem que não há nada
escrito quando a mesma letra se repete muito. O problema seguinte que resolvem
é como fazer para criar representações diferentes para unidades lingüísticas
diferentes. Depois, resolvem a correspondência entre pedaços de linguagem e
entre pedaços de escritas. Em seguida, descobrem os princípios fundamentais de
um sistema alfabético de escrita: atenção preferencial às diferenças sonoras.
Nesse momento, ela deixa de lado as diferenças de significado, reconhecendo que
quando há semelhanças sonoras deve-se pôr as mesmas letras e quando há
diferenças deve-se pôr diferentes letras. O problema ortográfico vem
depois", detalhou a pesquisadora.
Livre expressão - Em sua conferência, Emilia Ferreiro
lembrou ainda que a escrita é importante na escola porque é importante fora
dela, e não o inverso. E que a correção ortográfica deve ser feita com o maior cuidado:
"Uma das coisas que sabemos hoje em dia com a maior clareza é que a
correção ortográfica fora de tempo pode inibir a língua escrita. Eu não estou
dizendo que a escola deva ignorar o erro ortográfico, apenas que deve saber
qual o momento certo para fazê-lo, sem criar inibições. Porque eu me nego a
chamar de alfabetizada uma criança que produz apenas estereótipos, ainda que
seu texto não tenha erros ortográficos".
Proposta Pedagógica - Ela destacou, então, a proposta
pedagógica do tipo construtivista como capaz de proporcionar às crianças que se
expressem livremente, com criatividade, mesmo quando o texto produzido
apresenta muitos erros de ortografia. "A correção sobre a ortografia não
se deve confundir com a avaliação da língua escrita que está por trás",
alertou Emilia, concluindo: "Temos que alfabetizar para dar ao homem do
povo sua palavra, para que ele possa escrevê-la, para ajudá-lo a não destruir
seu discurso em troca de um discurso escolar estereotipado. Também para que
escreva de maneira ortograficamente correta, mas que esta ortografia não
limite, não destrua, nem mate a língua escrita que ele pode produzir".
transcrito da revista Nova Es
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